Por Fábio Victor
Enviado Especial ao Recife
Governador mais bem avaliado do país, segundo o Datafolha, e com uma reeleição consagradora quase certa em Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) desconversa sobre suas pretensões nacionais para os próximos anos.
Em entrevista à Folha, entretanto, fala como liderança nacional. Analisa os erros dos adversários dele e do presidente Lula, chama a oposição para um diálogo mais sereno após a eleição e aponta suas articulações com o presidente para criar uma "frente ampla" de aliados.
Apoiado por uma megacoalizão de 15 partidos, Campos tem entre 67% (Datafolha) e 73% (Ibope), contra 19% (ou 17% no Ibope) de Jarbas Vasconcelos (PMDB).
Ele falou à Folha na noite da segunda-feira passada, em seu gabinete no palácio do Campo das Princesas, o mesmo no qual seu avô Miguel Arraes foi preso por tropas do Exército em 1964.
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Folha - Pernambuco é o Estado onde o presidente Lula tem a melhor avaliação, e o sr. é o governador mais bem avaliado. Quanto do desempenho do seu governo deve ser creditado a Lula?
Eduardo Campos - O presidente Lula é bem avaliado em Pernambuco por justa razão. Primeiro ele é pernambucano. Segundo, ele tem feito um governo que deu oportunidade de Pernambuco tirar do papel velhos sonhos, bandeiras de anos e anos de luta, como a refinaria de petróleo, como a Transnordestina, como a transposição [do rio São Francisco], como estaleiros.
E nós tivemos de oportunidade, ao longo desses 3,8 anos, de fazer um governo que implantou um modelo de gestão, que é inovador no serviço público, que alia a participação social na definição das prioridades à busca da eficiência no gasto público, com ferramentas de gestão que ainda são próprias de muitas grandes empresas mas de poucas gestões públicas.
Tivemos parcerias muito fortes com o presidente Lula, na área da interiorização do ensino superior, das escolas técnicas, dos investimentos do PAC em água e saneamento, em rodovias. Um volume de investimentos que Pernambuco não assistia há muitos anos.
Mas eu costumo, nas nossas andanças aqui, ouvir do povo um ditado: não tem vento bom pra quem não sabe para onde quer ir. Cuidamos de levar bons projetos, de mostrar que o nosso time sabe fazer. Porque às vezes as pessoas sabem muito pedir ao governo federal, mas não sabem transformar o ok em realidade.
E sobretudo eu não fui fazer como a velha política nordestina fazia junto aos presidentes, de ir atrás de cargos e favores. Eu fui buscar resultado para o povo: trazer empresa, universidade, escola técnica, saneamento, água, investimentos que transformam a vida das pessoas.
Folha - Parece-me que a sua relação com o presidente Lula transcende as parcerias administrativas, chegando a uma sintonia política e afetiva, uma amizade. De que tecido é feita essa relação?
Eduardo Campos - Eu tive a oportunidade de conhecer o Lula muito jovem, com 14 anos. Ele veio em 1979 a Pernambuco para a volta do meu avô do exílio. Foi a única atividade de volta de exilados de que ele participou, e ele esteve na minha casa aguardando o dr. Arraes. Dali em diante, participei, muitas vezes acompanhando o dr. Arraes, de muitos momentos da vida pública brasileira, nas campanhas pelas Diretas, nas atividades da Constituinte, em campanhas políticas com o presidente Lula, em quem eu votei desde 1989. E depois, quando ele chega à Presidência, eu estava no Congresso, como deputado, liderando o PSB, que o apoiou no segundo turno. Foi um ano muito intenso de trabalho no Congresso, de reformas, de construção de uma base política. E depois servi ao governo do presidente Lula como ministro. Então, ao longo dessa caminhada, as pessoas da minha geração foram marcadas pela presença do presidente Lula de forma intensa na vida brasileira.
E fomos construindo uma relação política muito forte, uma relação de muito respeito que eu tenho a ele. Tive oportunidade de trabalhar com dois brasileiros que foram muito importantes na minha formação: o meu avô, governador Miguel Arraes, e o presidente Lula.
Folha - Durante muito tempo, o seu avô foi um mito político em Pernambuco, algo que começa a ocorrer com o presidente Lula. Como compará-los?
Eduardo Campos - Eles são de tempos sociais distintos, de formações políticas próprias. Dr. Arraes é um sertanejo do início do século passado. Lula é um menino, retirante do agreste pernambucano, que tem sua formação no ABC paulista. Mantém suas raízes, pela convivência com os nordestinos em São Paulo, depois volta e compreende a realidade de onde saiu. Mas o que os une de fato é que eles, cada um ao seu modo, tiveram grande identidade com o povo, com os excluídos, uma grande compreensão de que o Brasil precisava colocar a questão da desigualdade social no centro de um pensar estratégico no desenvolvimento. E a gente está tendo oportunidade de ver hoje no Brasil que, além de pôr fim à inflação, além de cuidar de infraestrutura, de educação, de capacitação, de mudanças institucionais, era fundamental para o crescimento do Brasil romper o ciclo de desigualdade.
Então Lula e dr. Arraes foram admirados como eles são porque têm a marca da solidariedade com os mais pobres, uma solidariedade real. Ao meu ver não tem nada de mito. Às vezes se fala de mito numa tentativa muito mais de desqualificar do que de qualificar. Ninguém gera de um povo com tanta capacidade de sobreviver, com tanta inteligência e firmeza como o nosso povo uma admiração dessa se não tenha feito algo de bom, de positivo, que tenha garantido a essas pessoas um salto de qualidade em suas vidas.
Poucos políticos a gente senta e vê falar de povo, de pobre, sem ser em eleição, depois que são governo. E Lula e dr. Arraes, todos os dois, despachando, em reunião, em gabinete, lembrado de um sujeito que mora lá num pequeno município, num pé-de-serra que não tem energia, da necessidade de colocar água, de melhor escola, de dar oportunidade ao cidadão do interior do Brasil a ter acesso a uma universidade ou escola técnica, a melhor o transporte. Eu sou testemunha disso.
Então acho que muitos, por não entender isso, hoje estão se assustando com o resultado das eleições. Porque ficam achando que isso estava no espaço da mitologia. Isso está no espaço da vida concreta do povo, no dia a dia da população.
Folha - Críticas que foram feitas por muito tempo a programas sociais do governo Lula, de serem assistencialistas, são inclusive semelhantes às dirigidas a programas de seu avô, como "Chapéu de Palha" [ajuda a canavieiros na entressafra da cana] e "Vaca na Corda" [que financiava a compra de vacas leiteiras]...
Eduardo Campos - A mesma coisa. Eletrificação rural, cisternas... Como se essas pessoas que precisam disso não fossem brasileiros que tivessem direitos. Fazer um programa de cisterna para quem mora em comunidades remotas, e são milhares. Fazer o acesso à luz elétrica em pleno século 21. Dr. Arraes fez o programa que o Lula levou. A Farmácia Popular, que o dr. Arraes fez aqui, que o Lula levou para o governo federal.
E ao mesmo tempo temos que investir em ciência em tecnologia, inovação, em formar doutores nas áreas portadoras de futuro, em biotecnologia, em nanotecnologia. Dr. Arraes foi o primeiro governador do Nordeste a abrir uma fundação de amparo a ciência e tecnologia. Essa parte não foi contada. Veja o que foi o governo Lula na área de Ciência e Tecnologia e veja o que foram os outros governos.
Folha - O sr. é o governador mais bem avaliado e ruma para uma vitória expressiva no primeiro turno, posição que lhe credencia como um nome forte para 2014. O quanto sai fortalecido nacionalmente desta eleição?
Eduardo Campos - O mais prudente nesse momento é fazer o governo e fazer a campanha até o dia 3. Depois, caso ganhe a eleição, é continuar a trabalhar da forma com que estamos trabalhando. [Não estaria nessa situação] Se não tivéssemos entregue, como entregamos, na segurança pública: o Recife hoje tem 40% menos homicídio do que que tinha há 3,8 anos atrás. Com um grande diálogo com a sociedade, construímos o Pacto pela Vida. Especialistas do Brasil e de fora, academia, ONGs, forças operativas da secretaria de Defesa Social.
Na área de saúde nós inovamos, construímos hospitais, UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], rompemos com um debate que ficou para frente, para trás, e terminamos colocando OSs (organizações sociais) para gerir esses hospitais, o que gerou um certo debate dentro da frente que eu presido.
Folha - Que é um modelo consagrado pelos tucanos...
Eduardo Campos - Para mim o que interessa é se funciona. Entendo que o Estado não pode ser entregue às elites nem às corporações. O estado tem que ser entregue à sociedade, ao povo que paga muito tributo nesse país e que precisa ter algo que funcione.
Operamos mudanças muito fortes na educação, unificamos matriz escolar, colocamos metas em cada escola para resultado no Ideb. Tivemos o segundo resultado no Brasil de maior crescimento...
Folha - Mas a educação é justamente o ponto em que seus adversários mais atacam de sua gestão, inclusive com dados concretos, como o de que o salário dos professores da rede estadual é o mais baixo do país...
Eduardo Campos - Que não é. Existe uma diferença entre remuneração e salário. Só na educação tinha 10.000 pessoas no governo do nosso adversário que nem sequer ganhavam o salário mínimo. Eram 17 mil no Estado, 10.000 na educação. Tivemos que contratar um número importante de professores, porque faltavam professores, carteira escolar, livro, merenda. Pulamos de 3 escolas em tempo integral para 160 escolas em tempo integral. Reabrimos escolas técnicas que estavam sendo fechadas e melhoramos o salário dos professores. O salário médio na educação aumentou quase 100%. Ainda é baixo, mas vamos seguir, ganhando a eleição, recuperando...
Folha - É o mais baixo... [levantamento da Folha em abril apontou que Pernambuco é o último no ranking de salários iniciais para professores da educação básica]
Eduardo Campos - Essa era uma bandeira que era verdade em 2009, hoje não é. Em 2006 era o pior Ideb e o pior salário. Hoje já somos um Ideb mediano, tivemos o segundo maior crescimento, e não temos o pior salário do Brasil, não temos.
Folha - O que complementa o salário?
Eduardo Campos - Temos o piso nacional, pagamos bonificação de alimentação e outras gratificações que dão uma remuneração que não é...
Folha - Que o salário é o mais baixo, mas a remuneração não é...
Eduardo Campos - É. Não é o salário, é o piso. E se você considerar também que em Pernambuco você tem 30% de aula-atividade, no Brasil você tem entre 15% e 20%, são aquelas em que os professores são dispensados para estudar ou preparar. Se você fizer uma ponderação por aula efetiva na sala, aí é que não é [menor salário]. A maior aula-atividade no Brasil é em Pernambuco.
Folha - O sr. desconversou quando falei dos seus planos para 2014. O sr. planeja futuramente se tornar presidente?
Eduardo Campos - Não. Quero ser governador de Pernambuco mais uma vez e quero me dedicar esses quatro anos como me dediquei. Costumo dizer quando quero as coisas. Eu não uso da velha política, daquela artimanha que o camarada diz que não quer porque quer. Eu não faço esse tipo de jogo. Quando eu quis ser candidato a governador, cheguei e disse.
Folha - Mas o sr. dizia, que não seria candidato à reeleição...
Eduardo Campos - Sou favorável ao mandato de cinco anos com coincidência de mandato [unificar as eleições de todos os cargos eletivos], porque quatro anos com uma eleição no meio é menos do que quatro anos, porque há óbices de convênios, de iniciativa de programas. Então, por um dever de coerência inclusive, lhe digo que meu partido e eu sempre nos colocamos contra a reeleição.
Hoje sou candidato à reeleição porque acho que temos muito mais a fazer para consolidar esse ciclo de transformação que iniciamos em Pernambuco, na economia, no serviço público e na vida das pessoas. Hoje esse é que é o meu foco. De maneira nenhuma a mosca azul está me mordendo. Não existe outro objetivo neste momento a não ser vencer as eleições e poder fazer um governo à altura dessas expectativas.
Folha - Arraes foi uma liderança nacional, mas que não concretizou nacionalmente essa liderança do ponto de vista eleitoral. O sr. não pensa em levar adiante o que o seu avô não conseguiu?
Eduardo Campos - Eu posso continuar a fazer política no país, como presidente nacional do partido, formando frentes, ajudando candidaturas, como a da Dilma. Para isso não tenho necessariamente de ser candidato. Essa é uma forma muito personalista de fazer política, de você achar que só pode fazer política se for o candidato. Eu posso fazer política sendo eleitor. Minha formação política me diz isso. Nem terminamos uma eleição, como é que se está discutindo o que vai ser em 2014? Se a gente fosse ver o que diziam os analistas há quatro meses, vai ver que guarda muito pouca coerência com o que está acontecendo.
Folha - Mas em Pernambuco a eleição parece terminada...
Eduardo Campos - Não, eleição só termina quando se apuram os votos.
Folha - Ciro Gomes foi convencido a sair da corrida presidencial em nome da aliança e também não foi candidato em São Paulo. Foi uma decisão acertada?
Eduardo Campos - A decisão de não ter a candidatura de Ciro foi uma decisão que ele pediu que o partido tomasse. O partido usou os espaços de TV que tinha para lançar ideias, para que ele próprio apresentasse as ideias do partido, fizemos várias atividades nos Estados. E na medida em que se aproximavam as decisões, tanto nos Estados quanto a nacional, fomos ficando isolados, sem nenhum tempo de televisão. Defendemos na base de sustentação ao presidente Lula que a tese de que era importante ele ter duas candidaturas para garantir o segundo turno. Acho que o fato de Ciro ter exercitado a pré-candidatura ajudou a segurar o crescimento da ideia de que a eleição estava perdida. Porque a soma dos dois os percentuais ia mostrando que seria uma eleição em dois turnos.
Na medida em que o processo foi afunilando, fomos ficando sem tempo de TV, sem apoio e fomos perdendo votos para Dilma a cada pesquisa. Naquele instante que Ciro pediu para que a gente fizesse a decisão do partido, ouvimos todos os Estados, e por larga maioria - dois Estados contra todos os outros - decidiram que deveríamos unificar em torno de Dilma.
E me parece que o que acontece agora nas eleições comprova que a decisão foi correta.
Folha - Que sequela ficou daquela disputa?
Eduardo Campos - Acho que quem faz política com largueza, com entendimento, acredito que não fica sequela. Claro que Ciro queria ser candidato, mas tinha que se tomar uma decisão. Eu era presidente do partido e recebi dele mesmo, de forma pública, uma solicitação para que o partido tomasse a decisão. Operei as reuniões, os debates internos e tomamos a decisão. Não cabia outro papel a mim a não ser esse. E opinei, Pernambuco e eu, pela candidatura única do campo de sustentação ao presidente Lula.
Folha - Se tivesse vingado o plano de Ciro ser candidato em São Paulo, ele estaria em melhor situação que Mercadante?
Eduardo Campos - A essa altura é difícil avaliar isso, porque ela não topou. Naquele instante ele já estava melhor. Teve a possibilidade de sair candidato com apoio de uma frente ampla, inclusive do próprio PT. Levaria uma vantagem que é somar forças além do PT. O PT apoiaria ele, isso é o que diziam os dirigentes nacionais e locais do partido.
Folha - Ciro continua no PSB?
Eduardo Campos - [Toma um longo gole de café] Se depender de mim, continua. Tenho muito respeito por Ciro, tenho uma relação com ele de já alguns anos. Ele tem ajudado a construção do partido, tem contribuído com o crescimento do partido e formou muitos amigos no partido. Não é por uma decisão de não ter uma candidatura que as pessoas deixam o partido. Até porque partidos têm vida democrática, nem todo mundo concorda dentro do partido. Quando a gente não tira por entendimento, tira por voto, na direção do partido.
Folha - Qual a sua estimativa do desempenho do partido nessas eleições. O possível fortalecimento credencia o PSB a pleitear um espaço maior na Esplanada [hoje comanda Ciência e Tecnologia e Secretaria dos Portos]?
Eduardo Campos - Acho que o partido vai crescer na Câmara e no Senado. Acho que vamos fazer em torno de 40 deputados federais --hoje somos 23. Vamos fazer em torno de seis senadores-- hoje somos dois. E estamos fazendo a disputa efetiva em oito Estados. Desses, somos primeiro em quatro [Pernambuco, Ceará, Espírito Santo e Piauí] e somos segundo em quatro [Paraíba, Amapá, Mato Grosso e???], e quase todos estão indo para o segundo turno. É um crescimento significativo. Fruto dessa unidade, da militância do nosso pessoal em cada Estado.
Quanto à questão de governo, nunca fizemos política em troca de cargos e de funções. Vocês nunca nos viram fazer esse tipo de política na base de sustentação de nenhum governo. Mas podemos participar e temos muitos quadros para participar. Mas podemos apoiar também sem participar, não tem nenhum problema.
Folha - Qual será o papel de Lula num eventual governo Dilma?
Eduardo Campos - É prematuro fazer esse debate agora. Ele ainda está no papel de governar até 31 de dezembro. Mas é muito importante ter por perto uma experiência igual a do presidente Lula, para momentos de maior dificuldade. Alguém que teve a experiência de governar, que conhece muito o país, que tem um peso muito grande, um respeito muito grande da sociedade brasileira. É muito bom você ter a possibilidade de estar presidindo, como acredito que Dilma terá, e saber que tem alguém com quem ela pode conversar, que só tem o interesse em que dê certo. Porque às vezes você até tem algumas pessoas para conversar, mas que não necessariamente têm interesse no êxito, ou que são parte. O Lula vai estar sempre à disposição para ajudar, para pensar o rumo que seja melhor para o Brasil. É algo com que a gente vai ter que cada dia mais ir se acostumando, como outras nações do mundo. Tratar bem as pessoas que acumularam essas experiências. Como a nossa democracia é muito recente - em geral é a primeira experiência de um presidente que sai com essa força na rua -, mas [é importante] a gente saber que o país precisa cuidar bem dos seus ex-presidentes, todos eles. Porque são pessoas que tiveram um papel estratégico, que acumularam experiência. Precisamos ter respeito pelos nossos ex-presidentes, e sobretudo buscar que eles continuem a servir de alguma forma ao país, com conferências, com a possibilidade de colocá-los em contato com estudantes nas universidades, de ouvi-los sobre grandes debates, de encontrar a forma de a nação estar em contato com eles.
Folha - O que o presidente Lula conversa com o sr. sobre o que ele fará a partir de 2011?
Eduardo Campos - Ele diz que só vai pensar nisso depois de outubro, que não colocou isso como uma prioridade. Que ainda tem quatro meses, tem tempo para inaugurar muita coisa, fazer muita coisa. Que passada a eleição ele vai cuidar disso, quer até conversar com algumas pessoas para ver. Mas que vai continuar na política, que vai continuar andando o Brasil, conversando. Eu o chamei para passar uns dias aqui em Pernambuco.
Folha - Descansar, conversar...
Eduardo Campos - Ele não é muito de descansar, não. Ele é mais de cansar os outros do que descansar.
Folha - Lula disse ter conversado com o sr. a respeito da criação de uma "organização política muito forte" para impedir que se repitam sobre o presidente pressões do Congresso como a ocorrida na crise do mensalão. Que articulação é essa?
Eduardo Campos - O presidente Lula já falou a vocês e a dirigentes partidários que, se dependesse dele, ele faria um grande partido. Acho que, ao longo desses anos, ele falando isso pra gente do PSB, do PDT, do PSB, ele foi vendo que isso não era uma coisa fácil ou possível de acontecer. E acho que agora evolui algo que eu entendo que tem sentido político: por que fazemos frentes nos Estados, nas disputas eleitorais, e não conseguimos manter uma institucionalidade de frente entre partidos que têm identidades e histórico de estar juntos em diversas lutas e causas. Acho que depois da eleição precisamos conversar isso. Outros países da América Latina tiveram experiência, como a Frente Ampla, no Uruguai. Era uma determinada circunstância histórica, mas acho que podendo ter uma institucionalidade, uma convivência em que a gente possa, em vez de discutir candidaturas de A, de B --e fazer isso logo depois da eleição nos favorece a isso--, poder discutir uma série de ideias sobre o país, de valores que devemos reforçar, de propostas para a sociedade brasileira, na questão da saúde, da segurança, do meio ambiente, na questão internacional. E que a gente pudesse ter o apoio daquele conjunto.
Temos uma frente muito ampla, heterogênea, que suporta a candidatura de Dilma, mas temos nessa frente partidos que têm maior identidade, maior história juntos. Acho que isso fica como um dever de casa para a gente ver se depois da eleição é possível.
Folha - Com a possível vitória da coalizão governista, a aprovação recorde do presidente e um certo discurso de rejeição a reparos ao governo, não é possível identificar uma escalada no caminho de se tentar varrer a oposição do mapa?
Eduardo Campos - Isso é um problema da oposição, não é um problema nosso. É um problema de qual oposição foi feita e qual a forma de fazê-la. Acho fundamental para todo e qualquer governo tenha oposição. É muito importante para um governante que exista oposição, democracia, liberdade de imprensa. São fundamentos da vida democrática. Acredito nisso, vivi isso, fui formado lutando por isso.
Agora, no momento que temos uma grande vitória, ela deve ser acompanhada de uma grande prudência e de muita humildade. Para que a gente possa dar conta da tarefa, é fundamental inclusive dialogar com a oposição. Que vai sair da urna com vitórias, com senadores, com deputados, com governantes. A forma como a eleição está se dando vai apontar à oposição a nós que estamos na base de sustentação do governo uma necessidade de dialogar, de uma maneira mais serena, menos pontuada pelos confrontos que marcaram a vida do país nesses oito anos. Muitas vezes eu vi setores da oposição cometendo os mesmos erros que o PT cometeu quando foi oposição e pagou por esses erros.
Folha - Por exemplo?
Eduardo Campos - Quando fez oposição a tudo, sistematicamente, se negou em determinados momentos a prestar apoios a alguns governos. Aconteceu com o governo de dr. Arraes, de Brizola, de Itamar, de Mário Covas, de Franco Montoro. Aconteceu na relação com o PT. E hoje muitos militantes do PT percebem que foram erros que geraram outros erros agora, quando o PT chega ao governo. Porque ficou aquilo: você fez isso comigo naquela época, vou fazer agora com você. Acho que esse tempo passou. A gente precisa perceber que a sociedade não está mais a fim desse debate político das arengas, das brigas desprovidas de conteúdo. Acho que é um outro momento. É preciso ter muita humildade com essa vitória que vamos ter. Porque o povo que bota é o mesmo povo que tira. O povo está nos colocando agora diante de uma grande vitória porque nós trabalhamos e cuidamos do povo no Brasil inteiro, pela liderança do presidente Lula, pelas parcerias que fizemos. É preciso ter muita serenidade.
E acho que tanto Dilma quanto o presidente Lula estão muito, mas muito convencidos disso, que é preciso saber ganhar. Na vida muita gente acha que difícil é saber perder. Difícil é saber ganhar. Quando você perde, você não tem tanta responsabilidade com a vida dos outros. Agora quando você ganha, tem muita responsabilidade com a vida de muitas pessoas, e é preciso saber ganhar.
E vejo que Dilma está madura para ganhar essa eleição. Ela tem consciência dessa enorme tarefa que ela vai ter. Suceder a um presidente como Lula não é uma tarefa simples, mas ela demonstra estar preparada, não só do ponto de vista técnico e político, mas também do ponto de vista emocional, de saber qual é a sua tarefa nos próximos quatro anos.
Folha - Onde a oposição errou?
Eduardo Campos - Isso é uma avaliação muito mais para eles próprios fazerem depois da eleição do que para a gente fazer a 30 dias da eleição. Prefiro ver onde é que nós acertamos. Acertamos a pauta do povo: o Brasil voltar a crescer, cuidar de escola, desenvolvimento, voltar a fazer muitas obras, as transformações que podemos ver no nosso dia a dia. Entre a pauta do debate político formal e a pauta da sociedade existe uma distância enorme. Nós deixamos o debate formal do Brasil oficial e fomos para o debate do Brasil real. O Brasil da construção da cidadania, da oportunidade, do resgate da autoestima do nosso povo. Desmontar fábricas de desigualdades espalhadas pelo país afora. E ter clareza de que tem muitas ainda, de que te muita coisa para ser feita,muita transformação. Fizeram o debate do Brasil oficial, enquanto nós fomos debater o Brasil real. Essa foi a grande diferença. O Lula é um brasileiro muito mais do país real do que do país oficial. O debate oficial não chegou nas comunidades, nas universidades, nos bairros da periferia de São Paulo, do Rio, do Paraná, de Pernambuco. Essa pauta ficou lá em Brasília. Ela enche páginas e páginas de jornais, blogs, fatos e fatos, madrugadas de debates na televisão. Mas não são o assunto da vida brasileira, da enorme maioria dos brasileiros.
Folha - O sr. acha essa a única pauta cabível? Por que a mídia...
Eduardo Campos - Não é a mídia, não. Os políticos vão à mídia. Porque você abre o jornal tem uma página de ciência e tecnologia, tem uma página de opinião sobre temas importantes, uma que fala de esportes, outra de cotidiano urbano. Tem debates muito interessantes. Agora, os políticos estão nesses debates? Estão lá em três ou quatro páginas, levando aos repórteres do seu jornal, e de outros jornais e outros blogs, muitas vezes assuntos que não são os que interessam à sociedade. O cara passa 15 dias, 30 dias, porque a PEC tal, porque a MP não sei o quê. A escolha da pauta para fazer a oposição e o debate político, os temas escolhidos pela oposição foram temas que não colaram na vida real. Porque, se tivessem colado, o resultado seria outro.
Folha - Jarbas construiu uma aliança que parecia forte, governou por oito anos, foi bem avaliado e, a se confirmarem as pesquisas, sofrerá uma derrota fragorosa para o sr. no primeiro turno. Como em quatro anos a oposição virou pó?
Eduardo Campos - As pessoas dizem que vêm o nosso governo na vida delas, no emprego, na segurança, nas UPAs, nos hospitais novos, nas escolas, no desenvolvimento das regiões. O sertão hoje, tem cidade no sertão central de Pernambuco --região que pelo IBGE perdia população pela migração-- temos as maiores obras. A situação de emprego: você paga os dez maiores resultados do último Caged estão lá na região de Salgueiro. Canal, ferrovia, rodovia, escola técnica, universidade, Minha Casa, Minha Vida, 40 mil cisternas sendo construídas.
Aí as pessoas vêm a escola dos seus filhos chegando banda larga, as aulas sendo dadas com o professorado com equipamentos para dar aulas interativas, com seu laptop com cinco programas educativas. Bibliotecas que funcionam, laboratórios que funcionam.
Essa mudança, o ambiente da economia, a chegada ao consumo, a possibilidade de um crédito, de empreender. Isso se junta de um lado e, de outro, uma fala descolada da realidade. Como é que você pode fazer oposição se você não se mistura à realidade para ver exatamente onde é que o governo que está aí está falhando. Se você não compreende isso, [é difícil] até para você propor que é possível fazer melhor e mostrar como é possível fazer melhor. Essa é que a questão.
Temos uma geração que interage. A minha geração é diferente da geração dos meus filhos, que já altera, vai jogar no videogame e muda as camisas, muda os jogadores do time. Os nossos joguinhos antes a gente não tinha esse poder de mudar, de fazer, de interagir, de criticar. Esses meninos estão efetivamente noutra, não são passivos.
Folha - Há na campanha de Jarbas um discurso semelhante ao da oposição nacional, de que o seu governo se beneficia das bases lançadas há muitos anos, por governos anteriores, como no caso de Suape.
Eduardo Campos - Suape é um projeto de 30 anos. Quando fez 30 anos, dei uma medalha a cada governador, prestei uma homenagem a todos os ex-governadores, os vivos e às famílias dos que já tinham morrido. Agora, em 30 anos de Suape, investiram R$ 500 milhões lá; em 3,8 anos, investimos R$ 1,2 bilhão. Isso é um fato. Eu torço que amanhã, depois do nosso segundo mandato, possa vir um outro governador e possa fazer em quatro anos R$ 3 bilhões.
No tempo de preparar a mão de obra, a principal escola técnica de Pernambuco, que era a segunda do Brasil, a primeira do Nordeste, o Etepan, tinha sido fechada. Nós reabrimos, abrimos mais sete, conseguimos mais seis, contratamos agora mais 11, chegamos para o sistema S quantas vagas vocês têm pra qualificar. As pessoas sabem que consideramos que preparar o Estado não é só preparar a infra, é preparar as pessoas, preparar as empresas. E o povo sabe que fazer é nossa obrigação. Não precisa oposição ou situação ficar dizendo o que foi feito ou não foi feito --o povo sabe. Se em 2006, o povo achasse que estava tudo bem, que não precisava mudar nada, eu não teria sido eleito governador da forma que já fui eleito em 2006, com 65% dos votos. Quando o povo nos escolheu é porque queria mudanças, e essas mudanças nós cuidamos de fazer. Passei 3,8 anos e não me referia a nenhum adversário político, não falei hora nenhuma sobre eles, não cuidei da vida deles, não tratei de ficar reclamando da situação, falando mal do que encontrei. O povo já tinha dito que não estava bem. Essa forma de fazer política ajudou a unir Pernambuco. Hoje tenho muitas pessoas que nunca votaram no nosso conjunto e que estão fazendo nossa campanha. Muitas pessoas que no passado votaram em dr. Arraes, depois passaram a votar em Jarbas e hoje votam com a gente. Estamos juntando muitas pessoas, e Pernambuco está mais feliz vendo a política sendo feito assim do que sendo feita da forma muitas vezes azeda com que foi feita a política em Pernambuco.
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