Como já foi amplamente noticiado pela imprensa, acaba de entrar em vigor o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado pelos países que têm o português como língua oficial. Não se trata, como se pode imaginar, de uma grande reforma ortográfica. Justamente por isso, abrangerá apenas algumas palavras (cerca de 0,45% do vocabulário no Brasil e 1,6% em Portugal), que passarão a ter a mesma grafia tanto em nosso país como em outros que já assinaram o Novo Acordo.
Esse acordo, no entanto, é meramente ortográfico; portanto, restringe-se apenas à língua escrita, não comprometendo nenhum aspecto da língua falada.
Com essa unificação de grafias, espera-se que o português – hoje falado por aproximadamente 230 milhões de pessoas em todo o mundo e língua oficial de trabalho em mais de uma dúzia de organizações mundiais – ganhe ainda mais importância nos fóruns internacionais e tenha o seu uso facilitado por editoras e instituições de vários continentes. Sabe como é!... em tempos de globalização, não tenhamos dúvidas: é mais mercantilismo do que qualquer outra coisa.
O Novo Acordo, além de mudar algumas regras para o hífen, que serão mais claras, e abolir o trema (a meu ver, de forma equivocada), volta a incorporar, ao alfabeto português, as letras K, W e Y, até então consideradas estrangeiras. O acento diferencial também foi suprimido na maioria das palavras homógrafas – coisinha também indigesta.
O curioso é que certas palavras proparoxítonas terão como válida uma dupla grafia, a exemplo de econômico e económico, conforme queira se pronunciar da forma brasileira ou da lusitana. Também caem alguns acentos, como o das palavras vôo (agora voo) e estréia (estreia).
Diante de tais novidades, é normal que se leve um período para incorporá-las à rotina. Também convém imaginar que ainda são escassas as publicações (gramáticas e dicionários) de referência completamente atualizadas com as novas regras. É preciso dar tempo para que essa transição flua naturalmente.
MUDANÇAS MAIS SIGNIFICATIVAS:
+ Quando o segundo elemento começa por H, usa-se hífen: anti-higiênico, co-herdeiro, neo-helênico, super-homem. (Não se usa, no entanto, o hífen em formações que contêm os prefixos DES e IN nas quais o segundo elemento perdeu o H inicial: desumano, inábil).
+ O hífen não é mais usado em palavras formadas de prefixo ou falso prefixo terminado em vogal e seguido de palavra iniciada por R ou S. Com o acordo, as palavras formadas dessa maneira são grafadas sem hífen, sendo essas consoantes dobradas: antessala, autorretrato, antissocial, contrassenso, ultrassonografia, suprarrenal.
+ O hífen também não é mais usado em palavras formadas de prefixo ou falso prefixo terminado em vogal e acompanhado de palavra iniciada por vogal diferente, o que uniformiza várias exceções antes existentes. Deve-se grafar, portanto: antiaéreo, antiamericano, autoajuda, infraestrutura, neoimpressionista.
+ Uma dúvida muito comum era a divisão silábica na translineação de uma palavra composta ou de uma combinação de palavras em que havia um hífen ou mais, se a partição coincidisse com o final de um dos elementos ou membros. Pronto. Agora acabou! Pede-se que, por clareza gráfica, repita-se o hífen no início da linha imediata.
+ Acentuação dos verbos com QU e GU no radical vão para o espaço. Assim, além de perderem o trema, os verbos ARGUIR e REDARGUIR e suas flexões não mais receberão acento agudo, embora mantenham a tonicidade no U.
A decorar regras, é muito mais negócio lamber, mastigar, deglutir... refestelar-se na poesia de Cida Pedrosa:
Contrarregras
tremo viver sem trema
comer linguiça não terá o mesmo gostinho
vou demorar a urdir ideias
a dormir tranquila
(arrepiam-se-me os pelos pelos pinguins)
sem tirar nem por
acho uma feiura
voo sem acento
sinto enjoo
(morderam-nos a língua e cuspiram em cima)
voo sem acento
sinto enjoo
(morderam-nos a língua e cuspiram em cima)