sábado, 17 de outubro de 2009

Em homenagem ao Dia do Professor

Foto: Letícia Gomes

Semeador de esperança


A escola, desde muito cedo, representou para mim o espaço para a realização. Era lá onde eu me manifestava, me divertia. Era entre os intervalos que eu escrevia bilhetes com palavras temperadas a gosto: peixe sem espinha, emoções agudas. No dia em que não tinha aula eu ficava melancólico, sorumbático, macambúzio, vagando..., sem nada para fazer; e, numa família de evangélicos xiitas, o pior: sem direito a uma TV para assistir à minha série favorita: Jaspion. Ler era, então, o meu refúgio, era o meu escape. E eu fugia...


Acho que preciso aqui retificar algo, porque confesso que peguei pesado. Meus avós não eram tão autocráticos assim. Meu velho e querido avô, quando estava na cozinha combinando frutas para o seu famoso e indecifrável suco - que tão pretensiosamente chamava sorvete – era de fazer concessões: eu então colava figurinhas, jogava pião com os poucos amigos, brincava de carro, perturbava preces: andava de carrinho de rolimã..., ah!..., quanta saudade: aquela brisa na cara, naquelas ruas estreitas.


Eu também tinha um rádio, velho, e de pilha. Era dele que eu tirava as novidades do esporte. E sem filtrar as hipérboles e os comentários espalhafatosos, imaginava Romário – meu jogador favorito – produzindo aquele elástico, desenhando cambalhotas no ar, vixe!... parindo um gol de bicicleta. Como era bom. E eu conjeturava. Construía estórias. Essas lembranças me levam a concluir o quanto perdi com o advento da tecnologia das TVs de plasma e com a automaticidade da internet.


Hoje, tudo é ali
na hora, e com toda a nitidez...


Mal acostumado – vejam só – já não fabrico mais estórias.


O sábado e o domingo voam.


Na segunda, a volta à rotina. Duas de História, uma de Religião, uma de OSPB... a última era de Gramática. Espera aí... Gramática não, Português. Para mim, era justamente naquela última aula do dia em que começávamos a semana. Era uma aula aguardada! Instante ímpar: degustação de palavras. Aquela professora tão carrancuda e tão econômica agora abria o livro de Mesquita & Cloder Rivas Martos para sortear o leitor do dia, pela caderneta:


– 18!


– Presente, professora!


Leitura. Página 106. Unidade 11.


Não se ouvia um grilo.


E com fome, pelo fim da manhã, eu viajava... quando nem sonhava ensinar um dia Português.


Entretanto, inoportunamente, no melhor, o toque estridente e pontual dava cabo ao meu dia na escola.


Contrariado, ajeitava a bolsa, onde guardava os livros com cuidado para não machucá-los.


Me despedia irresoluto da sala e voltava remoendo Diaféria, Lispector, Colasanti, Machado... M-A-N-D-R-Á-G-O-R-A-S!


Já no rumo de casa, eu jogava pedras, quebrava paus, chutava baldes, esmigalhava gravetos, fazia o diabo..., pintava miséria; por diversão e canalhice
que só agora julgo inocentes apertava campanhias em pleno inverno e horário de almoço, e corria; me escondia nas esquinas; seguia atalhos. E para encurtar ainda mais o caminho, à beira da estrada pedia bigu, esperava carona e, muitas vezes, o momento certo de amorcegar camionetes, e até veículos pesados: brincava de menino.


Alguns prenunciavam:


– Esse não vai dar pra nada.


Outros diziam:


– Olha que trombadinha! Que maloca! Cuidado! É um perigo!


Mas, nostradamus também erra.


E para provar, vejam (com os próprios olhos): todas as manhãs têm sido claras, e o dia
embora ensolarado – perfeito a esse trabalho árduo de ourives que da morfologia à sintaxe, do estilo à semântica – recruta leitores; e aí então costura, aninha, cultiva palavras: semeia esperança.



7 comentários:

  1. que texto lindo professor, adorei! a foto também está linda!

    ResponderExcluir
  2. Gostei do conto, muito bonito! Lembrei da minha infância, e são das coisas simples que mais sentimos saudades!

    ResponderExcluir
  3. Professor,


    adorei o texto,gostei da maneira como o senhor retratou sua infância.


    o.b.s : adorei a foto!

    nos encontramos terça-feira!

    ResponderExcluir
  4. GOSTEI TO TEXTO RELATA COMO FOI SUA INFÂNCIA; AS LEMBRANÇAS DE UM TEMPO Q Ñ VOLTA MAIS!
    EU TBM APERTAVA CAMPANHIAS!
    TEVE UMA VEZ Q TAVA EU, MINHA IRMÃ E PRIMA VOLTANDO DO MERCADO COM MINHA TIA, AI APERTAMOS A CAMPANHIA E CORREMOS PRA Q FOMOS FAZER ISSO O HOMEM SAIU DE DENTRO DE CASA DE MOTO E FOI ATRÁS DA GENTE PRA RECLAMAR! NUNCA MAIS RSRSR....

    ResponderExcluir
  5. Lembro de algumas dessas histórias...
    Menino danado !!!!
    Mas apesar de toda sua "maloqueirice", sempre acreditei no seu potencial...
    Se aqueta Marcelo !!!!
    Quantas vezes ouvi isso ???
    Beijo da Vizinha

    ResponderExcluir